Operação Serôdio
Ainda repercute em todo o Estado e além fronteiras a operação Serôdio desencadeada por órgãos federais para investigar a prefeitura de Aracaju em virtude de indícios de irregularidades na aplicação de uma verba de mais de R$ 3 milhões transferida pelo Ministério da Saúde para construir o Hospital de Campanha da capital sergipana.
O caso teve repercussão na área política e jornalística com matérias amplamente divulgadas em programas de rádio e TV locais e nacionais, inclusive com detalhes da operação, pela rede globo. Uma nota foi emitida pelos aliados do prefeito Edvaldo Nogueira tendo à frente a assinatura do governador Belivaldo Chagas.
Pode-se dizer que os dois gestores, como no cumprimento visto na foto, deram uma verdadeira cotovelada na sociedade brasileira, mais de perto na sergipana, ao procurarem desacreditar uma investigação conduzida por instituições que na prática existem para cuidar da boa e correta destinação do nosso dinheiro.
Foi uma nota descabida. Começa por sua falta de credibilidade, uma vez que é marcada pelo sino da parcialidade, assinada por aliados da última campanha. Lá, assinaram com o seu próprio punho deputados federais, estaduais e vereadores em desagravo ao prefeito Edvaldo Nogueira, importando em traduzir, no lugar de uma solidariedade, um ataque, um protesto ou uma repreensão pública contra instituições que têm o dever de investigar possíveis desvios de recursos públicos, seja por acompanhamento funcional, por publicação da mídia ou por denúncia voluntária de pessoas do povo.
Abaixo assinado, faltou bom senso
No caso em questão, a PF, o MPF e a CGU, que cumprem o seu papel constitucional, deveriam receber apoio e nunca reprimenda das autoridades, e ainda com o agravante da caneta e do comando do governador Belivaldo Chagas, o qual, lamentavelmente, deveria ser o primeiro a apoiar – ele que exerce o cargo que é visto e considerado, por sua posição destacada, como a mais alta magistratura estadual. Tais eventos deveriam estar, pela estatura do cargo, muito distantes da figura de um governador que se considerasse como tal, e não apenas como chefe de um simples agrupamento político no qual exerce um poder passageiro, apenas enquanto permanecer no governo.
Sem querer entrar no mérito, se os atos do prefeito de Aracaju passam ou não passam pelo crivo da honestidade, se cumpriram ou não as normas legais, o governador Belivaldo e os demais assinantes do abaixo assinado, perderam uma grande oportunidade de reafirmarem o juramento feito na hora da posse, qual seja, o de respeito total à Constituição, eximindo-se da responsabilização do malsinado documento.
O desrespeito à Constituição
Nesse compromisso constitucional a autoridade assume o dever de portar-se com dignidade no exercício de suas funções, inserindo-se, sem dúvida alguma, o respeito e a não ingerência em toda e qualquer investigação desencadeada pelos órgãos competentes contra quem quer que seja, mesmo que o alvo seja um aliado do peito.
A mim me pareceu, como a muitos sergipanos sensatos, uma rebeldia oficializada, um ato incomum, jamais registrado nos anais de nossa História, a merecer a necessária crítica e o pronto repúdio da sociedade.
O ataque contido no documento simbolizará para todo o sempre que no ano de 2020 houve uma tentativa de parte de nossa representação política, no âmbito do Executivo e do Legislativo, de inconcebível desmoralização de órgãos de Estado integrantes da estrutura Federal encarregados de investigação da aplicabilidade do dinheiro público. Os recursos em apreço pertencem à União.
Operação autorizada pela Justiça Federal
Para agravar mais ainda o comportamento fora das normas adotado sem as costumerias cautelas pelos aliados do prefeito, notadamento em se tratando de tema tão sensível ligado á saúde – em meio a uma epidemia que ceifa tantas vidas preciosas -, não custa lembrar que a operação conjunta de busca e apreensão teve autorização prévia da Justiça Federal, fato que sequer fora levado em conta por nossas autoridades ao assinarem tal documento.
Sergipe sempre primou pelo respeito às atribuições dos órgãos de controle e fiscalização em todas as esferas. Toda e qualquer contestação sobre a atuação deles sempre se fez no âmbito do Poder Judiciário, a quem cabe dirimir, em última instância, inclusive, sobre casos de abuso de autoridade.
Um gestor sério, que nada tem a temer, jamais aceitaria um pronunciamento como esse, de políticos aliados, cuja divulgação se deu com estranho estardalhaço em toda a mídia, numa questão que só ele, no caso, o prefeito, pode responder em sua defesa, apresentando no momento apropriado que lhe será concedido, documentos, fatos e leis demonstrando a boa e correta aplicação de recursos do contribuinte na construção do Hospital de Campanha para os doentes da COVID-19.
O envolvimento do Ministério Público Estadual na defesa do Prefeito
E o surpreendente é que na Nota das Autoridades procura-se envolver a atuação do Ministério Público Estadual citando-o como a principal prova da lisura da gestão do prefeito Edvaldo, já que, conforme declarado, nada encontrara de irregular ao examinar as informações que lhe foram encaminhadas. O abaixo assinado quis dizer em suma que o Ministério Público Estadual age corretamente, enquanto os órgãos federais que persistem em investigar estão errados, estão sob suspeita, agem por motivação política. Trata-se de discurso político perigoso de vez que, além de injusto e precipitado, pode ser desmentido durante o andar das investigações.
Esse confronto entre órgãos que exercem funções idênticas, planejado pela gestão municipal e seus aliados, tem o claro objetivo de minimizar ou mesmo desmitificar qualquer dano à imagem do prefeito fortemente arranhada com a operação Serôdio, o qual, certamente se preocupa com as consequências de um possível desgate frente ao período da campanha eleitoral que está bem próximo, quando ele pretende enfrentar mais uma vez as urnas, disputando a reeleição.
A realidade é que abaixo assinado nenhum tem o condão de decretar inocência, só gera desconfiança. O que se espera, ao final, é que nesse processo de investigação que apenas se inicia, o prefeito saia dessa enrascada e consiga provar total lisura de sua gestão na execução das obras do Hospital de Campanha que está na mira das autoridades federais.
Ninguém pode na democracia pensar que seus atos estão imunes de serem investigados.
Tenho a registrar, para minha tristeza, que o Sergipe D’El Rei que a História nos conta e nos orgulha, não é o Sergipe de hoje, quando o poder não respeita nem leva em conta o nosso passado de honra e do respeito à nossa Carta Magna.
Antonio Carlos Valadares
Advogado (642-OAB-SE)