NO VAPOR
Para ocupar toda a capacidade de produção do descaroçador, ele desenvolveu um amplo comércio para a compra do algodão em fibra na cidade de Simão Dias e em outros municípios do Estado.
Após os meus 16 anos, quando eu voltava de Aracaju para passar as minhas férias em Simão Dias, ficava no Vapor (como era chamada a fábrica de beneficiamento), pesando e comprando algodão, e entregando as sementes para os agricultores, em sacos de 3 arrobas (45 quilos). A semente selecionada para o plantio era distribuída gratuitamente aos produtores de algodão. Havia uma parte que era vendida, aquela que era utilizada para alimento do gado que, adicionada com jaca ou mel da cana de açúcar, formava uma ração que continha nutrientes que engordavam os animais.
No Vapor, cujo maquinário alemão mais parecia uma locomotiva (utilizava a lenha como combustível e a água do rio Caiçá para gerar o vapor), testemunhei atos de bravura do meu pai e do “Seu” Joaquim o velho maquinista dessa engenhoca que movia o descaroçador – na tentativa de reduzir a pressão da caldeira que, de vez em quando, desregulava e ameaçava explodir. Para me proteger de uma possível explosão, valente que só, eu me enroscava por entre os fardos de algodão prensado, ou, perna pra que te quero, dava no pé e lá só aparecia quando tudo estava sob controle… Mais tarde, aquela engenhoca pavorosa foi substituída por um moderno motor a diesel, o que afastou de uma vez por todas o pavor de uma explosão…
Essa oportunidade de trabalhar no Vapor foi proveitosa porque passei a conhecer muita gente do campo, que mais tarde me ajudou na minha vida política. Hoje em dia, devido a fatores de ordem climática e econômica, monopólio comercial, importação de algodão subsidiado nos países de origem, principalmente do Canadá, adicionados à ocorrência da praga denominada “Bicudo”, acabaram por completo a produção de algodão de Simão Dias (no período a que me referi existiam ali, pelo menos três descaroçadores, beneficiando o algodão e gerando um grande comércio) e de todo o Estado de Sergipe.
Mas meu pai, além de ter sido agricultor e comerciante, também se tornara um grande político.Começou a sua carreira como Vereador em Simão Dias, depois Prefeito, falecendo ao 53 anos de idade, como Deputado Estadual.
CORAÇÃO FORTE
Meu pai faleceu no Hospital Santa Isabel, em Aracaju, cujos médicos tudo fizeram para salvar sua vida tão preciosa para a nossa família e para o povo de Simão Dias. Mas a doença era grave (leucemia), a qual, a cada dia que passava, minava-lhe a resistência.
Dores terríveis tomavam todo o seu corpo, tão fortes que para aliviá-las os médicos aplicavam morfina. Coração forte, foi o último órgão a deixar de funcionar. Recordo-me que, naquela hora difícil, observava com emoção o desvelo e os cuidados dispensados pelo casal Coronel João Machado e D. Meró, ao meu pai – amigos solidários na dor e na alegria.
Também, a nossa família acompanhou com profundo agradecimento a assistência profissional, generosa e cristã do médico Francisco Rollemberg, cuja presença era permanente no Hospital até o último suspiro de meu pai.
O LUTO E A EMOÇÃO DE UM POVO
Ao seu sepultamento na cidade de Simão Dias compareceram milhares de pessoas tristes e emocionadas. Eu vi homens e mulheres da minha cidade, chorando como crianças, como se tivessem perdido uma pessoa muito querida de sua família. “Seu” Pedrinho foi embora, o que vai ser de nós?” era o lamento que se ouvia nas ruas. Meu pai tinha uma grande identificação com o povo, vivenciava as suas dificuldades do dia a dia. Sentavam-se à sua mesa não só os políticos de Aracaju que vinham atrás de voto, mas as pessoas simples do meio rural e dos bairros pobres da cidade.
Numa época em que não havia ambulância para o transporte de doentes, a sua Rural Willys estava sempre à disposição, de dia e de noite, para servir, sem perguntar se era eleitor ou não. Durante as secas que eclodiam no município não faltava água, nem trabalho, nem comida para os flagelados. Eu o acompanhei por muitas vezes como seu motorista em visita de supervisão em todo o município durante as secas ou em épocas normais.
“Seu” Pedrinho era um político respeitado e querido, o que é difícil nos dias de hoje. Seus adversários não o estimavam, mas sabiam o tamanho de sua popularidade, por isso que o temiam e planejavam às espreitas, ou abertamente, o seu afastamento do política simãodiense.
Pude entender, pelo seu exemplo, que o verdadeiro objetivo do homem público é trabalhar contra a exclusão social, acabando com a injustiça da fome e da miséria. Não era um homem letrado, porém, com o seu comportamento de homem simples, honesto, bom e trabalhador, ensinou-me mais lições do que todos os livros que li até hoje.
Graças a seu legado político, dois anos depois do seu desaparecimento fui eleito Prefeito de Simão Dias (em 1967), aos 22 anos de idade, numa disputa renhida, quando tive que enfrentar todas as forças políticas e econômicas do município e as derrotei com o voto do meu povo.
No ano anterior (1966) José Valadares, aos 23, foi eleito Deputado Estadual. Quando meu pai morreu, senti de perto a dor pela perda de um amigo de verdade. Sempre pronto para servir e para fazer o bem, enfrentou tormentos gerados pela política que, impiedosamente, terminaram por desgastar a sua própria saúde e as suas finanças.