RETALHOS DA POLÍTICA – O NEGÃO GANHA O GOVERNO

A  SUCESSÃO DE AUGUSTO FRANCO

A sucessão de Augusto Franco (ano de 1982),  ocorreu dentro de um ambiente de grandes surpresas.

Grupos políticos com fácil acesso ao Palácio Olimpio Campos, com muita capacidade de movimentação e muito poder de fogo, inclusive em determinados setores da imprensa escrita,  foram convincentes e conseguiram envolver Augusto Franco que terminou desistindo de suas preferências pessoais para sucedê-lo. 

Conseguiram, em encontros de cúpula, e em conversas palacianas,  arrancar a indicação de João Alves Filho para governador, até então considerado como adversário número um de Augusto Franco.

A escolha ocorreu da noite para o dia, sem qualquer aviso, provocando um verdadeiro curto circuito na política de Sergipe, para não dizer um choque de elevado potencial, cujos efeitos só puderam ser avaliados e sentidos nas eleições subsequentes.

João Alves nunca se incomodou, antes pelo contrário, até estimulava que o chamassem de “O Negão” , apelido que, sem dúvida alguma, fortalecia-lhe uma aparência de origem humilde, e facilitava sua aproximação com o povo.

Porém, quando de sua indicação para o cargo de governador ele já era um empresário da construção civil de muito sucesso, tinha a fama de bom engenheiro, montara a Habitacional Construções.

Além do mais, seu pai, o construtor João Alves, com o seu próprio esforço tornara-se um grande empresário também do ramo da construção civil.

O fato de ter sido quatro anos prefeito indireto de Aracaju, nomeado pelo governador José Rolemberg Leite, ajudou-o na sua subida ao poder. Na prefeitura, realizou uma obra administrativa de grande porte. Como prefeito  pavimentou ruas, abriu avenidas e melhorou vários bairros construindo praças, escolas e postos de saúde. Cuidou do transporte urbano. 

Pela  competência demonstrada no exercício do cargo – que assumira como um outsider da política -, tornara-se uma séria opção para uma futura candidatura ao governo do Estado. 

A sua indicação para a prefeitura aconteceu por uma lance de sorte, sem que ele sequer estivesse esperando.

José Rollemberg Leite fez primeiro um convite ao então presidente do Banco do Estado de Sergipe, um dos políticos mais fortes daquele período, para que saísse do Banco e viesse ocupar o cargo de prefeito da Capital,  a segunda posição política mais importante, depois do governador. O indicado teria a vantagem de não enfrentar eleição,  tendo apenas de cumprir a formalidade de o seu nome ser aprovado pela Assembleia Legislativa.

Por mais estranho que pareça, Manoel Conde com muito jeito, para não ofender o governador, disse-lhe que se sentia honrado com a lembrança de seu nome para missão tão honrosa, porém, que ajudaria mais ao governo permanecendo no Banco.

Foi quando com muita sagacidade e visão política Manoel Conde teria lembrado o nome do engenheiro João Alves Filho, por quem o governador nutria uma grande admiração.

José Rollemberg Leite, que, na verdade, desejava fazer uma renovação nos quadros do Banese, esqueceu-se por uns tempos de seu intento. Convidou logo em seguida João Alves para o cargo, que aceitou sem pestanejar.

João Alves, provavelmente fez aqueles reparos de costume, que surgem sempre antes de se aceitar um convite tão generoso, e, aquele, provocaria uma grande mudança em sua vida de empresário. Por isso, suponho que João Alves teria dito ao governador que aquela tarefa iria exigir dele quase que uma entrega total, com o perigo de prejudicar as atividades de sua empresa, a Habitacional.

A INDICAÇÃO CAIU COMO UMA BOMBA

Naquela época o governador Augusto Franco tinha do seu lado quase a totalidade dos prefeitos e dos deputados estaduais, quase 100% da bancada federal e uma extraordinária aprovação de seu governo, com certeza,  o melhor daquele período anterior ao processo de distensão política do regime discricionário.

Possuía dois canais de televisão, a TV Sergipe e a TV Atalaia, o jornal de maior circulação (Jornal de Sergipe), duas emissoras de rádio, e, economicamente falando não tinha quem se comparasse a Augusto Franco, apesar de não só ele como todos os seus filhos jamais esnobassem riqueza e ostentação.  Agiam no meio social como pessoas simples, relacionavam-se com todas as camadas da população, desde os mais potentados aos mais humildes,  no trabalho e no entretenimento, sem aquela empáfia dos novos ricos.

Doutor Augusto, como era chamado pela maioria dos sergipanos, detinha um poder político visto por todos como incontrastável.  Acredito que ele estivesse ciente de seu poderio, mas, sequer usou-o  em sua própria sucessão, não percebendo que qualquer erro na escolha para sucedê-lo no governo, poderia determinar a sua queda como político e de todo agrupamento que construíra ao longo do tempo.

Por isso, dizia-se nas conversas políticas que doutor Augusto faria governador quem ele bem quisesse, não apenas pelo poder que possuía naquela época, como pelas próprias amarras criadas pela legislação então vigente, que deixava pouca margem para o sucesso das forças oposicionistas comandadas por José Carlos Teixeira e seus correligionários do velho MDB. Existia o voto vinculado, que obrigava o eleitor a votar,  sob pena de nulidade, em toda a chapa, desde deputado federal, governador, senador e deputado estadual.

Ficava mais do que claro de que aquele partido que agregasse mais apoio na capital e no interior, poderia ganhar as eleições como favas contadas. E o partido que mais tinha lideranças do seu lado era justamente o partido do governo, a ARENA. João Alves ao  perceber essa armadilha, saiu do PP de Tancredo Neves,  uma sigla de oposição,  para arranjar um jeito de, no partido do governo, ser um nome capaz de entrar na disputa sucessória onde suas chances seriam melhores. 

NOMES PREFERIDOS PELA ALA DE DOUTOR AUGUSTO

Eu e o senador Passos Porto éramos os preferidos naquele momento das definições, pelas ligações políticas que tínhamos com o grupo de Augusto Franco.

Passos Porto fora deputado federal por várias legislaturas, e conseguia eleger-se porque sabia fazer amigos. Quando as urnas eram abertas, Passos Porto surpreendia a todos com uma perfomance surpreendente. Não tinha dinheiro nem colégios eleitorais para lhe dar suporte eleitoral. Porém, tinha o faro para ir atrás do voto de simpatia. Portava-se como um verdadeiro formiguinha da política, e nunca se indispunha com ninguém. Só vinha a Sergipe no recesso porque tinha verdadeiro pavor de viagens aéreas. Mas, durante suas férias trabalhava sem descanso visitando seus eleitores, na capital e no interior. Fora um dos fiéis seguidores de Leandro Maciel, o maior líder da UDN, no passado. 

O meu nome era no entanto o mais cogitado para uma possível candidatura ao governo do Estado. Havia obtido a maior votação para deputado federal. Convidado pelo governador Augusto Franco, aceitei licenciar-me do mandato para ficar em Sergipe e assumir a Secretaria de Estado da Educação e Cultura. Tinha exercido os cargos de prefeito municipal de Simão Dias e deputado estadual por duas vezes, quando fui eleito pelos meus pares para a presidência da Alese. Com muita dedicação aos estudos consegui me formar em química industrial e direito. Eu me considerava pronto para ser governador se tivesse uma chance.

ALBANO E A CNI

O  fator que mais influenciou a escolha de João Alves foi sem dúvida a pretensão de Albano em ser candidato a Senador. Ele exercia a presidência da Confederação Nacional de Indústria (CNI), um cargo que era sinônimo de poder e prestígio, e o mais ambicionado entre os integrantes da  classe empresarial do Brasil.  A CNI atuava em todos os Estados com muita eficiência e desenvoltura. Essa função também lhe proporcionava muita visibilidade na mídia nacional onde aparecia quase que diariamente. De fato, nenhum outro sergipano ocupara até então cargo tão relevante e dispunha de tanto prestígio não só com os empresários, como também junto a figuras políticas importantes do alto escalão da República. Pela missão que desempenhava na CNI, distanciou-se um pouco da política local, mas pela sua forma cortês de tratar a todos, era visto e considerado como uma pessoa simples, muito simpática, e que despertava um certo orgulho aos sergipanos pela posição que ocupava no cenário nacional. Tinha o seu lugar guardado para ser um dia o governador de Sergipe, como de fato foi, por duas vezes seguidas.

Colocaram na cabeça de Augusto Franco que Albano só poderia ser eleito senador se entregasse o governo a João Alves.

O TEMOR DE ALBANO E O FANTASMA DO RISCO

Quem conhece de perto Albano Franco sabe o quanto ele sempre teve bastante  dificuldade em assumir posições que ele, na sua avaliação, possam ter qualquer risco. Essa cautela exagerada de Albano deve ter pesado e muito na decisão de seu pai em apoiar João Alves. 

Segundo a argumentação dos defensores dessa tese – que terminou sendo a vencedora nas conversas de bastidores, e na definição do candidato -, Augusto Franco não poderia eleger um governador do seu grupo, e, ao mesmo tempo,  levar para o Senado o seu filho, Albano Franco. Seria muito arriscado, argumentavam os defensores de João.

Cosme Fateira, um amigo do senador Passos Porto e da família Franco, conhecido por ser desbocado e irreverente, inconformado com a escolha, e achando que o governador tudo podia, saia falando aos quatro ventos: “doutor Augusto na hora de fazer a escolha se precipitou, devia ter escolhido o outro “Negão” e tava tudo certo …”. O outro “Negão” a que ele se referia era o motorista de Augusto Franco há mais de 40 anos. 

Viu-se nos episódios do futuro que João Alves, ingressando como um outsider,  na vivência do dia dia, e na prática da governança, adquiriu experiência para saber lidar com o mundo da política, e  mostrou competência, coragem e determinação para alcançar o topo que fora ocupado pelos líderes maiores do Estado de Sergipe. 

Cometeu-se um erro político que lá na frente iria repercutir em desfavor da família Franco, e no fortalecimento e consolidação do engenheiro João Alves Filho, o qual,  se afeiçoou logo ao poder, soube como poucos atrair lideranças para o seu lado e construir uma áurea de invencibilidade em muitas eleições que disputou até a sua retirada da política, por motivo de saúde.

No próximo capítulo, a escolha do vice-governador de João Alves.

ACV