Na foto, governador Luiz Garcia
MARIA BONITA, APELIDO QUE D CAÇULA RECEBEU NA ALESE
Minha mãe, conhecida como D. Caçula, foi o braço direito de “Seu” Pedrinho. A casa vivia cheia de gente e era preciso muita paciência para tratar a todos sem desgostar a ninguém. Na nossa casa, primeiro na rua Joviniano Carvalho, e, depois, na rua Presidente Vargas (rua do Coité), vivia abarrotada de gente.
Caçula entendia a sua missão, desempenhando o seu papel de companheira com maestria,com simplicidade, recebendo àqueles que queriam ver ou conversar com meu pai com atenção, e sempre com uma sugestão pronta e acabada ao seu marido, a fim de que todos dali saíssem satisfeitos. Temperamentos diferentes que se completavam. A mesa, sempre farta, com capão – vindo de seu próprio criatório -, feijão, arroz e salada, era convidativa, e os presentes na hora do almoço, sentavam-se sem o menor sombrosso.
D Caçula, além de tudo era uma cozinheira de mão cheia. Todos os fins de semana ela esperava os filhos e netos para a conversa domingueira, quando era servido o almoço, uma delícia, um maná dos deuses, não faltando o famoso doce de leite, e, quando aparecia nos matos, à beira dos cercados, a fruta silvestre perruche, ela fazia um doce incrível – que tem um gosto aproximado de uma outra iguaria, que é o doce de mamão.
Na festa de Nossa Senhora Santana, padroeira da cidade, amigos e visitantes são por ela recebidos ocasião em que não esconde a satisfação de vê-los saboreando as suas apetitosas iguarias sertanejas.
VEREADORES DA OPOSIÇÃO TENTAM INVADIR PREFEITURA PARA TOMAR O PODER
Decidida e corajosa. Positiva na hora de dizer a verdade. A gente só conhece mesmo D. Caçula quando se precisa de alguém pra resolver a parada. Eu conto: quando o meu pai era Prefeito de Simão Dias, os seus adversários, movidos pelo despeito, instalaram na Câmara de Vereadores um processo de impeachment relâmpago contra ele – sem a observância ao princípio do amplo direito de defesa -, tendo como objetivo derrubá-lo do cargo de prefeito. Como “Seu” Pedrinho não dispunha de maioria no legislativo municipal, o impeachment iria se consumar, caso o presidente da Câmara tomasse posse no comando do executivo do município.
Os vereadores adversários estavam dispostos a dar posse ao “novo prefeito” a qualquer custo, que seria o presidente da Câmara. Com esse intento, marcharam em direção à Prefeitura que ficava na Av. Cel. Loyola. Mas, a caminho, tiveram que recuar imediatamente, porque receberam um recado de D. Caçula de que resistiria até o último homem, e que ela jamais deixaria que ninguém invadisse a Prefeitura.
A RESISTÊNCIA
Os adversários souberam que um grupo bem postado no interior da Prefeitura havia sido organizado por D. Caçula, a maioria do Povoado Pau de Leite, e esse grupo estava disposto a dar sua própria vida em defesa do mandato legítimo de Pedro Valadares. Ao pressentirem a gravidade da situação, os Vereadores desistiram da posse, e ficaram quietinhos e ansiosos em suas casas, aguardando o pronunciamento da Justiça que havia sido acionada por meu pai na cidade de Aracaju, onde ele se encontrava lutando para preservar o mandato que estava prestes a ser usurpado.
A “providência acautelatória” de D. Caçula fora fundamental para a restauração da ordem institucional do município, de vez que o Tribunal de Justiça no dia seguinte ao da tentativa de invasão da Prefeitura concederia mandado de segurança a Pedro Valadares, sustando o ato da Câmara, assegurando-lhe o pleno exercício do mandato de prefeito que lhe havia sido outorgado pelo povo em eleições livres.
CRISE REPERCUTE NA ASSEMBLEIA
A crise e o seu desfecho ecoaram na Assembleia Legislativa do Estado, com um discurso de protesto feito em termos escandalosos pelo Deputado Nivaldo Santos da cidade de Boquim, o qual, ocupando a tribuna, apelidou “D. Caçula” de Maria Bonita do Caiçá (rio que banha Simão Dias), pois, denunciava ele, D. Caçula, armada até os dentes, à frente de uma verdadeira cabroeira vinda do Pau de Leite impedira a posse do novo prefeito “eleito’ pela Câmara. Enquanto isso, em sua defesa se levantou o Deputado José Onias que enalteceu o gesto daquela mulher corajosa que, agindo em defesa do mandato legítimo de seu marido, mesmo com o risco da própria vida, poderia ser comparada, segundo o parlamentar, Maria Quitéria, “à intrépida guerreira baiana, a primeira mulher-soldado do Brasil a defender com a sua bravura a integridade da Pátria …”.
NÃO VOLTO MAIS NUNCA A ESTE LUGAR
Meu pai, homem de índole pacífica e conciliadora, quebrou um rádio daqueles de válvulas, reduzindo-o a pedaços, depois de ouvir a notícia da derrota de Leandro ao Governo (desta feita para o pessedista de Itaporanga, Arnaldo Garcez, em 1950), tal era sua paixão pelo líder udenista. Eleição disputadíssima, Leandro perdeu a eleição para governador por apenas 134 votos. Mas, em 1954, ganhou para Edelzio Vieira de Melo com uma diferença de 1.362 votos.
Todavia, no episódio da supressão do mandato do meu pai tentado por nossos adversários, Leandro fraquejou: aconselhou-o a renunciar para estancar a crise.
Quando meu pai saiu do sítio, residência do chefe udenista – que ficava em frente ao Hospital de Cirurgia — para onde se dirigira à procura do apoio do líder a quem idolatrava, e do qual jamais esperava uma negativa, voltou com a fisionomia completamente transtornada; entrou na Rural Willys, onde eu me encontrava esperando-o na direção do veículo, e me disse, procurando esconder as lágrimas que lhe rolavam pela face, que nunca mais voltaria àquele lugar.
Foi uma grande decepção política que o meu pai sentiu. As consequências desse sentimento de abandono pela conduta de Leandro, que ele considerava um homem forte, foram desencadeadas logo a seguir, quando Pedro Valadares fez questão de assumir uma posição de vanguarda na política de Sergipe, ao apoiar para o governo do Estado o então deputado nacionalista que rompera com a UDN, João de Seixas Dória.
A PRUDÊNCIA DE LUIZ GARCIA (UDN)
No episódio da tomada do poder municipal pelos vereadores, apesar de solicitada a presença da polícia para dar cobertura àquele ato ilegítimo, ela não compareceu. Estava no comando do Estado o governador Luiz Garcia, o qual não deu guarida à execução de um plano de conspiração contra a democracia que fora tentado para derrubar o prefeito de Simão Dias, Pedro Valadares. A maioria dos simãodienses, e toda a família Valadares, vibramos com a atitude prudente do governador Luiz Garcia ao não coonestar com a política de perseguição movida pelos adversários de “Seu” Pedrinho.
Quando, no ano seguinte, foi candidato ao Senado, Luiz Garcia teve o voto e o apoio de Pedro Valadares e de todo o seu grupo, tendo sido o senador mais votado de Simão Dias, apesar de, injustamente, não ter logrado êxito em sua campanha. Júlio Leite, um político apagado do PR, tirou-lhe a vaga, eleito na onda da mudança. Seixas, então adversário de Luiz Garcia, entendeu o gesto do prefeito Pedro Valadares, em ter votado em Luiz Garcia para o Senado.
O CANDIDATO DAS QUEIXAS
Pouco tempo depois Leandro foi candidato a governador pela última vez, e o meu pai marchou ao lado de Seixas Dória, que rompera com Leandro e se tornara o candidato do PSD. Seixas, naquela época, representou o candidato das mudanças. O deputado federal Passos Porto (UDN), ao perguntar à minha mãe o motivo do rompimento do prefeito Pedro Valadares com Leandro, e porque estava votando com Seixas, ela respondeu sem pestanejar: “Pode dizer ao doutor Leandro que Seixas é o candidato das queixas…”
Na minha eleição para a Prefeitura de Simão Dias os homens mais ricos e poderosos da cidade pressionaram minha mãe para retirar a minha candidatura e ela mais uma vez não negou fogo: “Se depender de mim, disse, “Tonho (como eu sou conhecido em Simão Dias) será o Prefeito, nem que seja lutando contra todos vocês” …Graças a gestos como esses é que pude iniciar a minha carreira política, e conseguir chegar aonde cheguei.
Se alguém por acaso quisesse conhecer uma mulher de coragem era só conversar com D. Caçula lá em Simão Dias, porque foi ela quem me ensinou com o seu exemplo de que nunca devemos recuar, nem desistir, nem temer o adversário, mesmo o mais forte ou o mais poderoso, sempre tentar, por mais difícil que seja a caminhada.
ACV