Escola Estadual Fausto Cardoso
MEU CURSO PRIMÁRIO E A PARTIDA DE DOIS JUÍZES
Os meus primeiros anos de estudo foram realizados na cidade de Simão Dias. As últimas séries do ginásio foram concluídas no Colégio Jackson de Figueiredo, em Aracaju. No Atheneu cursei o científico. Antes de entrar na escola propriamente dita, fiz um curso de alfabetização em Simão Dias, com D. Carmosa, minha primeira professora. No quadro negro escrevia bonito. Muito enérgica, colocava em cima da mesa a temível palmatória e ái de quem não obedecesse às suas determinações. Recebia o devido castigo.
Comecei o ginásio estudando no grupo Escolar Fausto Cardoso, localizado na praça da Matriz. Nessa unidade escolar do Estado tive como mestra D. Rita Cardoso. Competente, didática, muito bonita. Imprimia respeito aos seus alunos, apesar de muito jovem.
UM TIME BEM ENTROSADO: 2×0 no 1º tempo
A professora Rita, era noiva de Deó, que exercia, se não me engano, um cargo de funcionário federal, residente em Paripiranga, cidade do Estado da Bahia, cujo município é fronteiriço com o de Simão Dias. Hoje, com a rodovia asfaltada, a distância entre os dois municípios ficou muito encurtada. De Simão Dias, à noite a gente vê as luzes lá no alto de “Paris” , nome que muitos costumam chamar, no lugar de Paripiranga. De carro não se demora mais de 15 minutos pra cobrir a distância entre as duas cidades.
Deó, certa vez causou o maior reboliço em Simão Dias ao retirar de campo a sua equipe de futebol, antes do apito final da partida.
Durante anos e anos persistiu uma grande rixa entre Simão Dias e Paripiranga, em razão dessa partida de futebol disputada na minha cidade no campo empanado do bairro Bonfim, parecido com um circo sem cobertura. Eu estava lá pra torcer pelo meu time. O campo estava apinhado de torcedores fanáticos de ambos os lados.
Antes de começar o jogo, o time de Paripiranga fez um acordo no mínimo estranho com o de Simão Dias: no 1º tempo a equipe visitante indicaria um juiz, e no 2º tempo seria a vez do esquadrão de Simão Dias indicar um juiz de sua preferência que apitaria o embate até o seu término. Costume típico daquela época no futebol, traduzindo um gesto de camaradagem entre concorrentes de uma mesma partida.
No primeiro tempo o time visitante deu um banho de futebol. Era de dar calafrios nos torcedores de Simão Dias a perfomance de seus lances, rápidos e certeiros, mostrando ser um conjunto realmente assustador. Bem entrosado, o time deles conseguiu, de passe em passe, envolver a equipe simãodiense, culminando suas belas jogadas com um resultado de dois a zero no primeiro tempo. Foi um alívio encerrar essa primeira fase porque o placar poderia até ter sido mais elástico. A nossa equipe era muito boa, mas parecia assustada diante da aparente superioridade do adversário.
A REAÇÃO, A CAMINHO DO 1º GOL
Veio o segundo tempo e o juiz que entrou em campo, conforme combinado pelos dirigentes dos dois times, agora tinha que ser uma pessoa de Simão Dias, por indicação da seleção local. A escolha recaiu sobre a pessoa do Sr. Chico Bina, nome aprovado sem restrições pela equipe adversária. Afinal, tratava-se de um comerciante estabelecido na cidade e um dos homens mais bem conceituados, afinal, uma figura acima de qualquer suspeita.
Pela desenvoltura com que entrou em campo e ensaiou seus primeiros passos depois do apito inicial, parecia que o novo juiz – sagrado e sacramentado pelos duas equipes -, estava disposto a resolver a partida logo no início. Corria todo o gramado com uma velocidade e uma ligeireza fora do comum, movimentando-se como se fora um atleta, e com a intenção de um verdadeiro atacante.
Aos três minutos, bastou a bola passar por cima da grande área, onde a defesa de Paripiranga se encontrava postada, depois de um drible seguido de um centro de Eliziário, ponta esquerda de Simão Dias, naquele empurra-empurra causado por esse tipo de lance, ouviu-se o som estridente do apito do juiz que, com o dedo indicador, apontava para a marca do pênalti. Deó, que era o capitão do clube de Paripiranga partiu pra cima de juiz, em tom enérgico, aos gritos pediu-lhe que anulasse o pênalti, que, segundo o reclamante não existira.
A torcida simãodiense foi ao delírio com a marcação da penalidade máxima, e de nada adiantaram os protestos dos jogadores da equipe baiana. A redonda foi colocada na marca do pênalti por Nilo, sargento da polícia militar, exímio ponta direita, alto, magro das pernas compridas, bom jogador. Autorizado pelo juiz, deu um chutaço, sem apelação, e o goleiro nem viu por onde a bola passou. 2×1, por enquanto.
A CAMINHO DO EMPATE
Novo ataque de Simão Dias, novo centro sobre a grande área adversária, e novo pênalti “providencial” foi marcado por Chico Bina: seria o gol do empate, e um prenúncio de vitória para a seleção simãodiense.
Bom, aí o time de Paripiranga sentiu-se garfado. Todos os jogadores reuniram-se no meio do campo, e sob o comando de Deó – que além de líder da equipe era também um de seus melhores atletas, – decidiram entre eles, o que, ninguém nem sabia, só um minuto após, todos viram o drama que estava se armando. Paripiranga decidira, em sinal de protesto abandonar o jogo.
Justo quando Nilo outra vez ajeitava a bola na marca do pênalti, e já se preparava para desferir o chute e marcar o gol de empate , aparece na pequena área Deó. O capitão do time de Paripiranga , sem que ninguém esperasse, dirigiu-se à marca do pênalti, pegou a bola e, falou ao ouvido de Nilo “essa bola é do meu time, você usa a de vocês, com o gol vazio, porque eu vou embora daqui”. Botou a bola debaixo do braço e se evadiu do gramado, e, levantando o braço desocupado, deu sinal chamando os seus companheiros com os quais entrou no ônibus de volta a Paripiranga.
A FRUSTRAÇÃO E A GOZAÇÃO
Foi uma verdadeira ducha de água fria na torcida de Simão Dias que não comemorou a vitória porque a partida não tinha mais adversário e o gol de empate simplesmente não acontecera. Restara-lhe como único trunfo a saída intempestiva da equipe adversária que, pelo andar da carruagem, seria derrotada em campo, inapelavelmente. Por isso fugira com medo …
Os torcedores de Simão Dias ficaram irados, bradando horrores do time fugitivo. Ficou na alma do simãodiense a frustração de uma partida quase vencida, que só não acontecera por causa da covardia do adversário que desaparecera do gramado ao pressentir que iria perder… Em todos os botecos, bares e esquinas, a frase que mais se ouvia por muito tempo, e que ainda cutuca a minha memória hoje em dia: “Deó correu de campo! Deó correu de campo!”
Na sala de aula D. Rita não gostava de ouvir dos alunos aquela expressão. Todos foram proibidos de falar em futebol, mesmo nos intervalos… A gente apenas cochichava, fazendo troça do Deó, o noivo da professora… (Deó correu de campo! rsrsrsrs …).
Chico Bina se elegeu vereador de Simão Dias por várias legislaturas.