CALAMIDADE FINANCEIRA TEM PREVISÃO LEGAL?
Não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que ampare a decretação de calamidade financeira, como anunciou o governador Belivaldo Chagas.
Já a decretação de Estado de Calamidade Pública tem previsão constitucional (art.21, inc. XXVIII e 148, inc. I, da CF).
Recentemente a Câmara e o Senado aprovaram decreto presidencial de Estado de Calamidade Pública em virtude da pandemia da coronavírus, muito embora o presidente Bolsonaro tenha subestimado a gravidade dessa crise como uma simples “gripizinha”.
Governadores e prefeitos também podem decretar Estado de Emergência e de Calamidade Pública em situações anormais, previstas nas constituições estaduais e nas leis orgânicas dos municípios, em simetria com a nossa Carta Magna.
O princípio da legalidade descrito na CF (art. 5º, inc. II), diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.
Isto é, tudo aquilo que é assinado por um governante que não tenha sido previsto em lei, não tem a mínima validade.
Já pensou se o governo da União resolvesse, por algum impulso populista ou demagógico, decretar “estado de calamidade financeira nacional”, para dar um recado de que o Brasil estaria em situação de bancarrota?
Seria uma irresponsabilidade incomensurável, seria o reconhecimento pelo Presidente perante o mundo inteiro de que o Brasil não mais existiria como Nação soberana e independente.
A federação brasileira é composta por 26 Estados e o Distrito Federal, com deveres, responsabilidades, possuindo cada um deles, autonomia política, financeira, administrativa e orçamentária, nos termos da Constituição.
ATRASO DE SALÁRIOS E DO PAGAMENTO A FORNECEDORES
Renunciar a esses elementos essenciais à existência de um Estado membro, com participação efetiva na vida da Nação, significa quebra do pacto federativo, instituído desde a primeira Constituição republicana.
Aproveitando-se demagogicamente do coronavírus, o governo de Sergipe, ao dizer que vai mandar para a Assembleia Legislativa um projeto de estado de calamidade financeira, está antecipando que não tem recursos para combater a pandemia do coronavírus (colocando no colo do governo federal essa responsabilidade), que atrasará os salários dos servidores e o pagamento de fornecedores, por conta dessa crise mundial que só agora começa a chegar ao Brasil.
Perguntar não ofende: em que artigo da Constituição, em que norma complementar ou infra constitucional se baseia o governo de Sergipe para decretar situação ou estado de calamidade financeira?
JABUTI
A iniciativa do governo do Estado não tem a mínima cobertura jurídica, mas estará a exigir que a ALESE se pronuncie sobre esse verdadeiro jabuti criado por alguns governadores desde 2016 (RJ, foi o 1º Estado). Se for para livrar-se de algumas amarras da Lei de Responsabilidade Fiscal, está tomando o bonde errado. Nesse diploma legal há previsão para Estado de Calamidade Pública mas não fala sobre “calamidade financeira”.
É uma desculpa ou uma arma que o governo estadual busca para fazer maldades, respaldando-se em meias verdades e no aparecimento de um vírus que aterroriza a humanidade.
Os deputados estaduais nada podem fazer para atenuar a situação mesmo aprovando o decreto. Sabem que se trata de uma proposição inócua – a da decretação da calamidade financeira – que não terá nenhuma consequência prática.
FUGA DE INVESTIDORES
Além do mais, o seu simples anúncio já começa a afastar possíveis investidores. Quem se encoraja a ir para um Estado falido e arriscar seu dinheiro?
Essa decisão estapafúrdia do governo serve apenas para dar um péssimo recado de que o Estado atrasará compromissos, e para tanto, quer o apoio dos deputados estaduais, fazendo-os coonestar com a absurda intenção de não pagar o que deve, apontando a culpa de tudo no danado do coronavírus, transferindo para o governo federal, e para os sofridos municípios (em crise financeira permanente), a responsabilidade de resolver o problema.
A federação exige responsabilidade compartilhada.
LAVA AS MÃOS COMO PILATOS
Belivaldo faz como Pilatos, lava as mãos, e deixa o povo como um verdadeiro Cristo, à mercê do imponderável e da crucificação.
Trata-se apenas de mais uma trilha de invenciones de um governo que nada assume, que coloca a culpa de sua incompetência em outras esferas de poder, e na pandemia do vírus, provocando o sofrimento da população em todos os setores, inclusive aumentando mais ainda o desemprego, ao expressar, sem tirar nem por, com a assinatura de seu indigitado decreto de que “nada tenho a ver com isso”.
Querendo ou não, o governo do Estado acelera a falência de empresários honestos que trabalham e pagam impostos e esperavam outro destino para os seus investimentos no Estado.
A FRIEZA: VIDA QUE SEGUE
Essa situação de calamidade sr governador, não pode ser encarada com tanta frieza, com tanta falta de compromisso de quem disse na campanha, e tantos acreditaram, de que estava vindo pra resolver.
Sergipe ainda não morreu sr governador, não é, e nunca será “vida que segue”, segundo a sua concepção gélida, insensível e pragmática.
Haveremos todos nós sergipanos de ultrapassar com destemor e firmeza essa fase sem brilho, triste, e desfavorável de nossa história, como em tantas vezes ultrapassamos em nosso passado glorioso.
Antonio Carlos Valadares
Advogado e ex-senador da República