A Retomada da Democracia com Tancredo e Sarney. O governo do Novo Sergipe. A inflação galopante. Ascensão e queda de Collor
Um novo Sergipe na Nova República
Até os anos 70, do sec. 20, Sergipe era um Estado muito carente de obras de infraestrutura. Podia-se contar nos dedos a existência de boas estradas, de ações voltadas para o combate às secas e a fixação do homem à terra.
Apesar de Sergipe fazer parte da Bacia do rio São Francisco a escassez de água potável nos municípios do Sertão e do Agreste era visível, aumentando o sofrimento de seus habitantes durante os longos períodos de estiagem. Até a nossa capital, Aracaju, vivia o drama da falta do precioso líquido, ou até mesmo a ameaça de um colapso de fornecimento.
Por sorte, a Petrobras, uma força econômica em nosso Estado, precisava tocar os seus empreendimentos industriais, e a água era um insumo indispensável.
Em parceria com o governo Augusto Franco, a Petrobras construiu a adutora do rio São Francisco, destinada a suprir seus projetos (usina de Potássio e fábrica de Amônia e Uréia-Fafen), bem como ao abastecimento d’água de muitas cidades ao longo de seu percurso, desembocando em Aracaju, numa primeira etapa da realização dessa obra.
Podia-se dizer que a adutora do São Francisco era uma obra redentora.
O Sertão virava uma terra de ninguém durante as secas que dizimavam os rebanhos e provocava o fenômeno da evasão do homem do campo para as cidades à procura de água e comida.
As secas acarretavam a interrupção e o esvaziamento das atividades econômicas tradicionais, como o plantio e o criatório de gado, e de caprinos e ovinos, uma economia incipiente, mas, indispensável aos pequenos negócios e à alimentação da população sertaneja.
Assumi o governo de Sergipe no dia 15 de março de 1987. Slogan escolhido, Governo do Novo Sergipe. A Nova República, que fora construída e idealizada por Tancredo, por um imperativo do destino, se encontrava nas mãos de José Sarney.
O Plano Cruzado de combate à inflação
José Sarney, Vice-presidente, assumiu o governo da Nova República, no dia 15 de março de 1985, em substituição ao presidente Tancredo Neves, que morreu antes da posse, emocionando o Brasil e a quantos o admiravam por sua postura de homem sério e devotado à luta persistente pelos valores da democracia e da liberdade.
Mas, parecia que a Nação, ainda que despedaçada pela dramaticidade daquele infortúnio, não perdera a esperança de melhores dias. O povo compreendeu a situação e deu a Sarney, um crédito de confiança a seu governo que se instalava de acordo com as regras constitucionais, em situação emergencial delicada, com a missão da qual tinha plena responsabilidade e consciência de que teria de concretizar o sonho de Tancredo Neves e do povo brasileiro – o da retomada do processo democrático.
Sarney lançou, em fevereiro de 1986, o “Plano Cruzado” que tinha como objetivo conter a inflação. Em 1985 chegou a 235% ao ano.
O referido plano, nos primeiros meses foi um sucesso nunca antes experimentado no Brasil. Sarney tornou-se de um dia para o outro uma figura estimada, um presidente visto e respeitado como um político decidido e corajoso ao vigiar com firmeza o abuso da remarcação dos valores dos produtos nos supermercados, e a punição a fazendeiros que escondiam suas boiadas esperando a evolução dos preços da arroba para auferirem mais lucros em cima da população. As pessoas, espontaneamente, apareciam de caderneta na mão como “fiscais de Sarney”.
O PMDB venceu em todos os Estados, à exceção em Sergipe
Nas eleições de 1986, o PMDB, partido do presidente Sarney, conseguiu eleger todos os governadores, menos em Sergipe, cujo candidato José Carlos Teixeira (PMDB) foi derrotado nas urnas. Fui seu adversário, sendo eleito com mais de 52 mil votos de frente.

Apoiado pela coligação PFL, PSB, PL, PCB e PCdoB, tive 53% dos votos válidos e José Carlos 43%. A nível de Estado, tínhamos uma aliança muito popular, com João Alves (PFL), governador, e Jackson Barreto (PSB), prefeito da Capital, ambos no auge do prestígio político. Eu era um candidato a governador jovem (43 anos de idade), sem máculas, com uma participação intensa no legislativo e na administração pública (prefeito de Simão Dias, deputado estadual por duas legislaturas, presidente da Alese, Secretário de Estado da Educação e Cultura e deputado federal), transmitindo nos discursos de campanha o compromisso da continuidade de um governo realizador, e trazendo uma proposta diferenciada de desenvolvimento com justiça social.
O Plano enquanto durou os brasileiros amaram
Somando-se a tudo isso, ainda tínhamos a simpatia do presidente da República José Sarney, cuja popularidade chegara às alturas com a execução do Plano Cruzado que, até então, estava dando certo.
Eu tive participação muito ativa, junto com Sarney, para a formação de um agrupamento político que foi denominado Frente Liberal, embrião do PFL, visando a eleição de Tancredo Neves para presidente, ainda no processo de eleições indiretas, pelo Colégio Eleitoral, como estratégia para vencer o regime militar dentro do sistema que ele próprio criara.
Após aquela eleição indireta, e que seria a última, o compromisso de todos os que compunham o Movimento da Frente Liberal, seria a instauração do sistema democrático com eleições diretas para todos os cargos, e a elaboração de uma nova Constituição, pela transformação do futuro Congresso Nacional em Poder Constituinte.
A Equipe econômica de Sarney deu a ideia do lançamento do Plano Cruzado como solução salvadora para derrubar o processo inflacionário que recrudescia a cada dia, quando medidas drásticas foram anunciadas, a saber: congelamento de preços e a substituição da moeda corrente do país, do cruzeiro para o cruzado (daí o nome do plano).
Todavia, de nada adiantaram essas medidas para frear a inflação que parecia indomável. O plano virou água. O processo inflacionário assumia proporções imprevistas, com números que assombravam a todos, fazendo decair a popularidade do presidente, deixando um horizonte incerto para o Brasil, e se espalhando para todos os Estados como um rastilho de pólvora a explodir na primeira eleição que surgisse à frente. E o presidente Sarney, que se tornara, como disse acima, uma figura popular, no entanto – depois que eclodiu de forma violenta o monstro da inflação, acabando a boa perfomance do Plano Cruzado -, passou a ser estigmatizado, xingado e ridicularizado pela população.
Fases de insatisfação quase sempre redundam no surgimento de milagreiros, o povo se apegando a qualquer um que saiba manipular os sofrimentos e as frustrações.

O eleitor foi na onda da novidade e do populismo salvador. A rota da frustração de um povo
A Era Fernando Collor
Foi daí que surgiu, em meio à frustração popular, o famoso caçador dos marajás, Fernando Collor, então governador de um pequeno Estado do Nordeste que passou a ser visto pelo povo como o Salvador da Pátria, um novo Messias vindo das Alagoas, que nos livraria da inflação e varreria toda a corrupção e privilégios que imperavam no País.
Aquele jovem candidato, dono de um discurso persuasivo e encantador, entraria no gosto do eleitorado, derrotando Lula no 2º turno (pleito de 1989), numa campanha sem fôlego, atraindo multidões de eleitores para o seu lado.
Ao assumir as rédeas do governo com Zélia no comando da Economia, Collor nos levaria à retenção da caderneta de poupança, e a uma grave crise institucional, abatido que fora por um impeachment – como resposta à frustração que voltou a reinar nas mentes e nos corações desse Brasil verde e amarelo. O governo Collor caiu em meio a um lamaçal de escândalos. O seu próprio irmão Pedro Color em entrevista de primeira capa da Veja o denunciou como beneficiário de um esquema de corrupção e de lavagem de dinheiro, tendo como artífice PC Farias, que havia sido o tesoureiro da campanha presidencial.
Collor tomou posse como presidente em 15 de março de 1990, e renunciou em 29 de dezembro de 1992.
Em recente decisão do STF Collor foi condenado a cumprir uma sentença de mais de 8 anos de prisão em regime fechado, convertida em prisão domiciliar fundamentada em comorbidades (a principal, mal de Parkinson), comprovadas em exames médicos.

Por muito tempo presidiu a comissão de relações exteriores do Senado.
Fui colega de Collor no Senado. Sentava-se na primeira fila do lado esquerdo do plenário. Discreto, atencioso e educado.
Toda vez que eu me dirigia à sua cadeira para cumprimenta-lo, ele, num gesto de referência, fazia questão de levantar-se e apertava minha mão dizendo: “como vai governador?”.
Lembro-me de que quando o MPF abriu contra ele inquérito para apurar supostas crimes de recebimento de propinas de empresas investigadas pela Lava Jato, Collor insistiu em proferir discursos com palavras fortes pontuando parcialidade e falsidade de todas as acusações. E o alvo frequente de suas palavras era Rodrigo Janot, então Procurador Geral da República, a quem chegou chamá-lo de fascista em discurso proferido na tribuna, depois que tomou conhecimento de que se tornara réu na Suprema Corte em face da denúncia da PGR.
O STF ao aprofundar as investigações terminou encontrando provas tão contundentes que os seus advogados não encontraram nenhuma saída jurídica para afastar a sua condenação.
Achei muito justa e humana a decisão do Ministro Alexandre de Moraes ao conceder-lhe o benefício da prisão domiciliar por motivo de comorbidades graves.
O GATILHO SALARIAL, PARA COMPENSAR AS PERDAS COM A INFLAÇÃO GALOPANTE
Voltando ao governo Sarney, a inflação foi subindo até chegar ao seu ponto máximo em março de 1990, a uma taxa incrível de 84,3% ao mês.

Não fosse o gatilho salarial que implantei, garantindo uma reposição da remuneração dos servidores toda vez que a inflação atingia 20%, o Estado teria que hibernar em greves permanentes pela diluição dos ganhos daqueles que movimentavam a máquina estatal, os funcionários públicos.
Para não perder com a inflação galopante e ter algum saldo para assegurar pelo menos o pagamento da folha sem atrasos, todos os recursos do Estado, obrigatoriamente, tinham que estar no overnight, uma modalidade de aplicação financeira que garantia uma renda fixa todos os dias. Se não tomássemos essa providência, a arrecadação praticamente zerava ao fim do mês.
Hoje em dia, quando a inflação nem chega à casa dos 5% ao ano, em comparação com aquele período em que governei, tendo que enfrentar uma taxa inflacionária superando o patamar de 80% ao mês, assistimos hoje governadores ameaçando decretar estado de calamidade financeira. Não passam de uns meninos mimados, chorando e gritando , de pires na mão, atrás de ajuda do Executivo ou do Legislativo para resolver a crise que eles próprios criam.
Com a implantação de projetos de irrigação nos anos de 1980, como o Califórnia, e os das adutoras, (projeto Chapéu de Couro, 1° governo João Alves), a situação começou a melhorar.
Todos esses projetos tiveram continuidade no período em que governei o Estado (87-91), fazendo a sua implantação definitiva com o assentamento de produtores, fornecendo apoio financeiro e assistência técnica.
As realizações de nosso governo que teve a duração de 4 anos, sem direito à reeleição, são postadas em várias partes deste blog.
ACV